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Professora Hélia - História de Amor à Natureza



Foto: Arquivo da autora

Hélia Alice dos Santos é nativa da praia da Pinheira, região litorânea de Palhoça/ SC, distante 30km de Florianópolis. Nasceu em 02 de janeiro de 1961, filha de pescador artesanal, a mãe conciliava trabalho do lar com a profissão de atendente de enfermagem, auxiliava o médico que atendia a comunidade. Aos sete anos, igual a outras crianças da época, ajudava em casa na lida doméstica. Aos doze anos, com auxílio do irmão mais velho, assumiu os cuidados dos dois irmãos mais novos, de quatro e de cinco anos. Na juventude recolhia capim nos morros para tratar os animais e tirava leite das vacas, envasava os litros e vendia-os em armazém do bairro. Enquanto a mãe cuidava do pai no hospital, Hélia, a substituía no trabalho de atendente de enfermagem. Aplicava injeção nas pessoas necessitadas, pois a comunidade era socialmente desprovida de tudo, inclusive Unidade Básicas de Saúde. Com o agravamento da doença do pai, a família foi morar perto do hospital. Nessa época, Hélia estava com 14 anos de idade, e para colaborar no sustento familiar começou a trabalhar como balconista numa loja de tecido e depois numa revendedora de peças de veículos. Nos finais de semana, oferecia nas casas de porta em porta, roupas que a mãe confeccionava. Hélia estava com 16 anos quando o pai faleceu, aos 18, casou, e lembrando o ditado popular: “O bom filho a casa torna”, a filha da Pinheira voltou para a terra natal, em 27 março 1979. Com 20 anos, teve o primeiro bebê, uma menina chamada Janaína, in-memoriam, depois, nasceu Jessé, Thiago e a última foi Ester. Há aproximadamente 10 anos, o marido acometido de AVC, permanece em uma cadeira de rodas.


O Magistério e Educação Ambiental

Hélia Alice dos Santos quando começou a lecionar só tinha finalizado o Ensino Fundamental (antiga oitava série). Entusiasmada com ofício de professor, se propôs a estudar até concluir o mestrado. Lecionou durante 12 anos na alfabetização de crianças, porém, com o passar dos anos difundiu seus conhecimentos em todos os níveis educacionais – do infantil ao superior. Na Faculdade Municipal de Palhoça, tive o imenso prazer de ser sua aluna no Curso de Extensão da Maturidade. Dotada de uma metodologia criativa instigava reflexões sobre problemas ambientais, ao mesmo tempo estimulava o amor à natureza. “O Jardim Sensorial”, espaço onde os alunos desenvolviam o sentimento de pertencimento ao meio ambiente, foi cuidadosamente criado pela professora Hélia. Com os olhos vendados um aluno por vez seguia uma trilha onde os sinais sensoriais eram estimulados por meio do tato, audição, calor, frio, enfim, todas as sensações da natureza: a lama e areia aos pés, as cascatas de água, os pássaros cantando em meios as plantas, as marolas do mar, tudo muito bem representado num pequeno espaço de quatro paredes. Simplesmente, fascinante! (Ver figura abaixo: Neusa e Hélia-Jardim Sensorial.)


Fotos: Arquivo da autora-Jardim Sensorial- Faculdade Municipal de Palhoça

O início dos anos 80, a Escola Reunida Prof. Olga Cerino, localizada no bairro da Guarda do Embaú/Palhoça/SC, mantinha apenas uma professora e uma merendeira. Nessa época, a professora Hélia começou a lecionar para as turmas de primeira à quarta série, inclusive teve seus filhos entre os alunos. A interação dos saberes sobre consciência ambiental ultrapassou os muros da escola. A mobilização dos educandos e as famílias, transformou a comunidade. Era o início do grande projeto Pró-CREP- Criar, Reciclar, Educar e Preservar.

A resiliência da professora Hélia Alice dos Santos
Na Pró-CREP - Organização para a preservação ambiental

A Pró-CREP desenvolve atividades socioambientais com o lema: "Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos". Foi na escola Reunida Prof. Olga Cerino, carente de tudo, localizada no meio de um pasto na zona rural, onde os gados se abrigavam e sujavam os arredores das salas, que nasceu o inovador projeto socioambiental.

Havia precariedade na coleta dos resíduos pelo poder público, os descartes inadequados na comunidade, não era diferente de outros lugares. Os terrenos baldios e fundo de quintais permaneciam lotados de lixo, além de transmitir doenças, causavam feiura no bairro. Observando com olhar de um ser iluminado, a professora vislumbrou uma oportunidade de transformar essa realidade em um novo cenário. Em 03 de novembro de 1992, foi a primeira mobilização da comunidade escolar em mutirões de limpeza. Com ajuda de pais e alunos, os resíduos garimpados começaram a ser reciclados e vendidos, principalmente alumínio. Toda verba arrecadada reverteu em favor da melhoria pedagógica e estrutural da escola. O benefício refletiu em novos banheiros, cozinha, refeitório, quadra de esportes, etc. No Natal o trabalho foi de embelezamento do bairro transformando reciclados em árvores natalinas.
Com dedicação e criatividade, a professora Hélia promove o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, tendo seu trabalho de conscientização ambiental reconhecido. Em 1997, recebeu das mãos do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a Medalha e o “Prêmio Incentivo a Educação Fundamental”.

Com a distinção, o município reconheceu a importância do projeto desenvolvido pela professora. A Prefeitura cedeu uma caçamba para a coleta dos resíduos e um terreno em regime de comodato. Com verba federal construiu um galpão para Centro de Triagem de Resíduos Sólidos Recicláveis. A coleta se expandiu para treze bairros vizinhos da região sul do município. Hélia Alice dos Santos, prestigiada por seu trabalho, foi eleita vereadora e continuava administrando o galpão. Após algum tempo, com a mudança na gestão municipal, a professora voltou para as salas de aula e o projeto paralisou por um ano, por falta de administrador. Inconformada com a situação, Hélia reinicia o trabalho em 2002 dedicando-se por alguns períodos ao trabalho no galpão. Em 2004, a Associação Pró-CREP é legalmente instituída, porém continua sem o auxílio da caçamba. A coleta dos resíduos é então transportada por meio de carrinho-de-mão, carrinho de papeleiro, mutirões na comunidade...

Atualmente, a realidade da Pró-CREP é outra, recebe a coleta seletiva de aproximadamente quinze mil habitantes residentes no litoral de Palhoça, sendo que esse número triplica no verão. Pioneiro na região, o projeto da Pinheira é dotado de uma infraestrutura invejável, porém sem capacidade de atender todo o município que tem cerca de duzentos mil habitantes. Conta com pessoal e condução para a coleta de recicláveis e óleo de uso doméstico e comercial

O galpão da Pró-CREP está equipado com esteira para separar plástico, metal, alumínio e papel. Realiza o enfardamento dos materiais e dispõe de usina de biodiesel implantada com auxílio de estudantes da UNISUL- Universidade do Sul de SC. O óleo reciclado produz sabão de ótima qualidade, uma parte é destinado para movimentar as embarcações de pesca dos nativos da praia da Pinheira e para os maquinários e veículos utilizados no projeto. Outros resíduos sólidos adquirem valor comercial no brechó ecológico de “Consumo Consciente”, na “Feira do Cacareco”; na “Oficina de Mosaico de Azulejos” reaproveitando cerâmicas descartadas pela construção civil e na “Oficina de Costura”, reciclando os tecidos. São oportunidades de trabalhos criadas que proporcionam sustento para várias famílias, inclusive para haitianos que vieram procurar um novo horizonte na comunidade turística. As peças de artes são vendidas aos turistas que se rendem as belezas naturais do lugar triplicando na temporada de férias de verão. O projeto é visitado, além dos turistas, por instituições escolares públicas e privadas, por todos os níveis da educação, da infantil ao superior, onde o foco é a educação socioambiental.
Inscrita no Conselho Municipal do meio ambiente e da Assistência Social, a associação é um modelo a ser seguido. Contempla parcerias com universidades onde os alunos ocupam o espaço para laboratório de pesquisas acadêmicas e geram Trabalhos de Conclusão de Cursos em diversas áreas do conhecimento.

Arte produzida na Associação Pró-CREP


Fotos: Associação Pró-CREP

A professora Hélia, protagonista do projeto, atua voluntariamente na Associação, sob sua orientação 60 famílias tiram o próprio sustento. A Pró-CREP é uma das instituições parceira do Ministério Público, acolhe e ressocializa dependentes químicos em recuperação, ex-presidiários e apenados. Inclui socialmente imigrantes haitianos, mulheres desprovidas de oportunidades, população afrodescendente. O trabalho educativo desenvolvido na associação valoriza o ser humano, e por ser transformador, é referência na região. As escolas, os municípios vizinhos, os turistas, procuram o projeto para conhecer e aprender como se realiza o destino final ambientalmente adequado dos resíduos.

Prêmios e Honrarias:

1997- Prêmio Incentivo à Educação Fundamental, Ministério da Educação e Desporto;
1998- Prêmio Qualidade de Vida da Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses;
1999- Relevância de Serviços prestados, Prefeitura Municipal de Palhoça;
2001-Troféu Cidadão Ambientalista, Fundação Municipal do Meio Ambiente e Agricultura-FMA;
2012- Medalha Caetano Silveira de Matos em reconhecimento aos relevantes serviços ao município de Palhoça/SC, Câmara Municipal de Palhoça- Lei 3.653/12;
2015- Bela Mulher Catarina, CDL Palhoça;
Professor destaque no Curso de Pedagogia, Faculdade Municipal de Palhoça
2021- Prêmio Valkyrie - Mulher Destaque 2021 “A Mulher na Sociedade e na Cultura através dos Tempos” - Homenagem do Institut Cultive Suisse Bresil - Congres Cultive Internacional de La Culture de La Femme.

Foto: Revue Cultive-Suisse- Genève

O projeto criar reciclar, educar e preservar, transforma as pessoas e o espaço em que vivem. As rodas de conversas, a troca de saberes no dia-a-dia do projeto, ressoam coletivamente na promoção do desenvolvimento sustentável, criando nas pessoas novas atitudes em relação a preservação de recursos naturais.

A coleta seletiva institucionalizada por meio de edital, beneficia 13 bairros da Baixada do Massiambu. São mais de 60 toneladas/mês de lixo desviados do Aterro Sanitário de Biguaçu.

Diante desse arcabouço de dados positivos, para o bem da natureza e das futuras gerações, enseja-se do poder público, a aplicação da Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, no sentido de enfrentar problemas ambientais, decorrentes da má gestão dos descartes desses materiais. Sugere-se replicar Centros de Triagem de Resíduos Sólidos em outras regiões de Palhoça e municípios brasileiros. Recém sancionado, o Decreto 10.936/2022 regulamenta e traz alterações na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e cria o Programa Nacional de Logística Reversa.

Por Neusa Bernado Coelho-Escritora – Historiadora

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