Memórias de Palhoça - por Neusa B Coelho
Descendente de açorianos, nascido em 20 de dezembro de 1917 no Alto Passa Vinte, hoje, São Sebastião, faleceu em 10 de novembro de 2004, aos 87 anos de idade. Filho de José Vicente dos santos e Maria Silvana dos Santos, casou em Santo Amaro da Imperatriz no dia 19 novembro de 1946 com Joana Felicidade de Espíndola. A noiva, natural de Cambirela, atual, Santo Amaro da Imperatriz, nasceu em 02 de agosto de 1922.
Gercino José dos Santos e Joana F. Espindola
A Escola e o Trabalho
Gercino José dos Santos, lavrador e comerciante, estudou o antigo primário na Escola Pública Caminho da Fazenda, localidade de São Sebastião. Em seu livro de memórias, “Retrato do Passado”, conta que caminhava duas horas para chegar à escola. Relata uma época em que não havia cadernos, só lousa e lápis de pedra para escrever e todos sabiam cantar os hinos: Nacional, Bandeira, República, Independência e do Estado. O aluno passava por um exame escolar no final de cada ano letivo. Com a idade de 14 anos, apesar de ser bom aluno, Gercino largou os estudos para ajudar os pais no trabalho doméstico. Durante o tempo estudantil vendia doces em um balaio nas festas da igreja em finais de semana. Aos 17 anos exerceu a função de lavrador, em São Sebastião, (Cova Funda) na plantação de mandioca para o fabrico da farinha no engenho do pai. O transporte das mercadorias era por carros de bois, construídos pelos próprios carpinteiros do lugar.
Apesar do pouco estudo, Gercino era muito sábio, projetava plantas das casas para quem o procurava, pois não havia engenheiro na época, as contas ele fazia “de cabeça”.
Medicina Popular
A cura das doenças por meio da natureza tem um histórico secular, herança passada a cada geração.. Os dons de Gercino ultrapassaram esforços de homem lavrador e comerciante, e, por sugestão do pai e vizinhos, em 1937, começou a tratar doentes com homeopatia, baseado no livro “Tratado de Homeoptia do Dr Cairo”. Dedicou-se a manipular homeopatia para pessoas da comunidade que o procuravam. Também administrou medicamentos injetáveis durante vinte anos, só findou a atividade quando surgiu uma farmácia no bairro, a Farmácia Indiana do seu Chico.
Comércio de Secos e Molhados
Durante 40 anos foi comerciante de um dos tradicionais Secos e Molhados que Palhoça já teve. Seu estabelecimento ficava localizado na Rua José Maria da Luz, Centro de Palhoça. Comercializava de tudo, tanto no dinheiro como no ‘fiado’, anotava as compras numa cadernetinha de folhas enumeradas, o pagamento se dava no final de cada mês. O freguês se encarregava de trazer a tal caderneta a cada compra, tudo na confiança, mas sempre tinha os espertinhos que rasgavam uma folha e o seu Gercino ficava com o prejuízo. Não havia banco até 1942, quando surgiu o cruzeiro e a moeda de centavos em substituição aos réis; um cruzeiro equivalia a mil réis, ou um conto de réis. Gercino relata em seu livro que os senhores mais abastados, geralmente donos de grandes plantações e de escravos nas fazendas de café, enterravam no mato uma vasilha de barro cheia de moedas de ouro, em cima do buraco plantavam uma árvore para demarcar o local. Havia fartura de alimentos, mas o dinheiro era escasso, os mais pobres só recebiam salário anualmente, no tempo da safra. As louças eram de barro fabricadas nas olarias da Ponte de Baixo, as roupas eram de algodão, manualmente confeccionadas no tear. A iluminação com lamparina, lampiões ou candeeiros para clarear as casas, facilmente encontrados até meados do século XX. Á base de querosene ou óleo de noga e um pavio de algodão para acender o fogo, exalava fumaça com cheiro forte e deixava as paredes escuras.
Os pães eram transportados do centro para o interior em bicicleta, carroça, ou de porta em porta em balaio nas costas do vendedor. O peixe transportado no carrinho de mão, ou balaio não era pesado, combinavam o peço na hora entre o vendedor e o comprador.
Produção artística
O dom artístico de Gercino José dos Santos o acompanhou no Acordeon, com talento de exímio tocador, também comercializava o instrumento com os sanfoneiros de bailes e fandangos, divertimento muito comum na época. Dedicou parte de seu tempo às artes plásticas, instigou a criatividade em seis telas gigantescas à tinta óleo onde retratou a natureza e os animais. Na literatura marcou história com o livro “Retrato do Passado - Depoimento de um Palhocense”. Sua obra relata os costumes dos antepassados açorianos e seus descendentes. Recorda fatos ocorridos na vida do autor, bem como a dos primeiros imigrantes alemães e italianos que se estabeleceram em Palhoça. Gercino foi um grande líder comunitário, a fé e religiosidade nortearam os cinco herdeiros da família: Luiz, Lauro, Laura, Lúcio e Josias. Lúcio José dos Santos, o mais novo, ordenou-se Padre e seguiu em missão para África, onde ficou evangelizando nossos irmãos Guineenses por treze anos. Atualmente, está vigário na Paróquia São Virgílio em Nova Trento. O legado do ilustre palhocense. Gercino José dos Santos é reconhecido pelos acadêmicos da Academia de Letras de Palhoça, ao ser eleito patrono da Cadeira número 29 do egrégio sodalício.
Fonte: Acervo filha Laura e familiares, e Retrato do Passado, Gercino José Santos, 2003, Gráfica Ed. Nova Letra
Por Neusa Bernado Coelho- Escritora, Poetisa, Historiadora