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As Lendas e Encantos da Ilha da Magia de SC

Capa: Gelci Coelho-Peninha-Enseada de Brito- ag 2020

Florianópolis, Floripa, Nossa Senhora do Desterro ou simplesmente Ilha da Magia, assim é carinhosamente chamada a capital catarinense. O nome faz jus pelo seu encanto, belezas naturais e pelo rico folclore que ainda é difundido pelos nativos descendentes de açorianos. Os visitantes que escolhem morar na Ilha encantada, precisam pedir permissão às lendárias bruxas para poderem ter sucesso em seus empreendimentos. Diz a lenda que as megeras voam em suas vassouras e percorrem todo o litoral assustando os pescadores, fazendo algazarras nas praias, roubando barcos e tarrafas. Além disso, entram pelo buraco das fechaduras das casas que tem crianças não batizadas e se divertem pelos terreiros fazendo nós nas crinas dos cavalos. Esses causos surreais com seres sobrenaturais permanecem na crendice popular ilhoa até hoje, registrados em manuscritos por Franklin Cascaes (1908-1983). O trabalho documentado durante 30 anos pelo mestre é repleto de escritos, desenhos, gravuras, lendas, contos, crônicas, cartas, peças em cerâmica, madeira, cestaria e gesso. A pesquisa e coleta de informações orais sobre essa tradição pitoresca e as estórias místicas em torno das lendárias bruxas foi realizada junto a população descendentes dos açorianos. Todo esse acervo denominado "Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes", está sob a guarda da Universidade Federal de Santa Catarina no MArquE (Museu de Arqueologia e Etnologia Oswaldo Rodrigues Cabral).

Em 2017, no centenário do seu nascimento, o artista Thiago Valdí marcou o centro de Florianópolis com um painel 34x12m em grafite representando o grande o mestre da cultura açoriana, Franklin Cascaes.


Grafite de Valdi para Franklin Cascaes em Floriaópolis/SC

Gelci José Coelho, o Peninha, 71 anos, é museólogo, multiartista, folclorista e pesquisador da cultura popular catarinense. É um dos guardiões da história, memória, e arte de Franklin Cascaes. Entre os anos 1973 e 1983 trabalhou com o mestre na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), tornou-se amigo e seu seguidor. Atualmente, Peninha reside na encantada Enseada de Brito/ Palhoça/SC, onde concedeu a entrevista para esta matéria. Na vila, fundada em 1747 por casais açorianos, Peninha difunde as obras e lendas legadas pelo seu mestre Cascaes. Escreveu e publicou a obra “Narrativas absurdas: verdades contadas por um mentiroso”. São histórias ligadas a herança dos açorianos, mistura realidade, ficção, poesia, reza, espanto, tragédia, assombração e benzeduras (antídoto das bruxarias). Ele relata: “Adoro essas coisas todas, os rituais, os cânticos, as histórias, a arte sacra de todos os credos e religiões. As crenças, os mitos, as devoções causam-me espanto e emoção” (Peninha, p.197).

Ao chegarem no Brasil, os habitantes da Ilha do Açores e Madeirenses trouxeram um caldeirão cultural alimentado por misticismos vividos no cotidiano desde a era medieval. Estabeleceram-se no litoral de Santa Catarina e adaptaram seus hábitos e costumes às crenças espirituais dos indígenas que aqui habitavam. Muitos causos de embruxamento, rezas, benzeduras, sobrevivem ainda no imaginário popular. Em Itaguaçu, terra de Cascaes ainda encontra-se grande quatidade de despachos e oferendas entre as pedras, restingas e o mar. Peninha relata que as bruxas geralmente são mulheres formosas, mas apresentam-se de forma medonha para não serem reconhecidas e não perderam o fado. Conforme sua narrativa, elas realizam quatro reuniões por ano, geralmente na passagem das estações. Fazem o sabat, uma espécie de congresso, onde prestam contas ao diabo sobre as ações realizadas e planejadas. Para não perder os poderes, seguem um ritual de beija-rabo do diabo fedido a enxofre. Conta que um dia, as bruxas resolveram fazer um baile chic, estilo alta sociedade. Convidaram as amigas e outros seres sobrenaturais como os caiporas, curupiras, boitatás, vacatatás, ondinas, vampiros, mulas-sem-cabeças, sacis, lobisomens, entre outros. Ao som da orquestra selenita irisada da lua cheia, fizeram uma linda festa de comes e bebes, mas não convidaram o temido diabo fedorento e antissocial. Escolheram a praia de Itaguaçu, lado continental de Florianópolis, um lugar lindo para o festerê e foi um sucesso. Todavia, uma das convidadas, invejosa, resolveu sair para fofocar ao diabo, que enfurecido surge no meio da festa. Ao se deparar com todo aquele luxo bruxólico, o tinhoso castigou as participantes, transformou-as em pedras e inundou o pátio com água do mar. Atualmente a paisagem é relíquia histórica tranformada em patrimônio natural e cultural.


Patrimônio cultural - Praia de Itaguaçu

As bruxas petrificadas continuam lá até hoje, flutuando no mar de Itaguaçu. No local, não se sabe se houve mais festas sem a presença do diabo, mas há um lindo monumento em memória ao folclorista Franklin Joaquim Cascaes, ornado com um magnífico boitatá de bronze dourado com os dizeres: Ao mestre o reconhecimento e a homenagem da gente de Florianópolis.


Foto: Carlos Damião/ND- Monumento a Franklin Cascaes

Entre as crendices populares existem muitas lendas de bruxas recolhidas na literatura oral. Peninha adverte, quem gosta de contar estórias de bruxa, atrai os males para si, portanto, precisa se proteger contra os poderes maléficos. Ensina usar o símbolo de Salomão, uma vela ascesa (que foi benta na sexta-feira santa) e rezar a seguinte oração contra os males do bruxedo: Treze raios tem o sol, treze raios tem a lua. Salta demônio para o inferno, pois esta alma não é tua. Tosca Marosca, rabo de rosca. Aguilhão nos teus pés, freio na tua boca. Por cima do telhado São Pedro, São Paulo e São Fontista. Dentro da casa, São João Batista. Bruxa tatarabruxa, tu não me entres nesta casa, nem nesta comarca toda. Por todos os santos, dos santos, Amém!

Em outro conto, Peninha diz que Nossa Senhora, rainha do mundo, queria conhecer a Ilha da Magia, mas não tinha ponte, nem canoa. Ao avistar um vaidoso linguado, perguntou para ele se a maré ia encher ou vazar. O linguado malcriado, arremedou, repetindo a frase de maneira jocosa: Me nhe nhe, me na ná. Um siri, que estava ali na margem e presenciara a cena vergonhosa, interferiu e ofereceu-se para dar carona, levando-a até na outra margem. Nossa Senhora, agradecida, levantou os babados da longa saia, subiu no casco do siri e lá se foram eles cruzando o trecho mais estreito do canal que separa o continente da Ilha. No meio do canal surgiu uma manta de tainha que fez um lindo cortejo prateado até às margens do mar da Ilha de SC. Diz a lenda que o linguado ganhou um castigo, ficou rastejante com os dois olhos no mesmo lado e a boca torta. Já o siri, foi agraciado e ganhou de presente, no casco, uma linda imagem de Nossa Senhora coroada, segurando a saia rodada. Nas escamas da tainha a imagem aparece sutilmente representada por um longo véu multicolorido. Essas são algumas das lendas da encantadora Ilha da Magia que corre a boca pequena entre os habitantes de Florianópolis e litoral próximo.

By Neusa Bernado Coelho- Escritora, poetisa, Historiadora. 19 ag. 2020

Bibliografia e referências consultadas:

Narrativas absurdas: verdades contadas por um mentiroso/Gelci José Coelho(Peninha)-Fpolis: Santa Editora, 2019.

O Fantástico na Ilha de Santa Catarina/Franklin Cascaes.5.ed.rev.-Fpolis, Ed.da UFSC, 2003.103p. (Volumes 1 e 2)

Entrevista com Gelci José Coelho(Peninha) em 16 de agosto de 2020.
http://www.dicaautolocadora.com.br/praias.html
https://ndmais.com.br/noticias/memoria-de-florianopolis-a-importancia-dos-tombamentos-culturais/Carlos Damião/ND

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