No Dia das Mães um brinde à Dona Inácia prestes a comemorar 99 anos de vida com energia de quem está apenas começando e nos presenteia com sua sabedoria, bom humor e esperança em dias melhores. Seu sorriso é reflexo de uma vida de fato vivida, de mulher vitoriosa, apesar de todas as adversidades, inerente aos seres humanos.
Dona Inácia: “estou fazendo uma toalha de crochê bege com linha cleia”
Homenageamos dona Inácia, mãe, avó e bisavó dedicada. Mulher batalhadora, com sua numerosa prole representa as mães palhocenses.
Família de Inácia e Walmor Wagner- Foto cedida por Inácia Wagner
Dona Inácia do seu Walmor, assim é conhecida a quase centenária palhocense em plena forma física e intelectual. Concedeu-me detalhes sobre o cotidiano do passado, recostada em sua cadeira posicionada defronte à janela de onde aprecia o movimento da rua ao lado da sua casa.
Inácia nasceu na Barra do Aririú em 23 de novembro de 1924. Filha de Maria Vergilina, e de José Luiz Martins, (ambos in memoriam), conhecidos comerciantes na Barra do Aririú, comunidade litorânea distante 6 km do Centro de Palhoça. A filha dos Martins cresceu na vila ajudando os pais, donos de “venda” e “loja” localizadas próximo à igreja e da residência da família.
Viveu até aos 19 anos, na colônia de pescadores, lugar tranquilo, rico em frutos do mar, fonte de alimentação para os povos originários desde a época dos sambaquis, hoje se mantém presente nos pratos tradicionais.
Servidos na mesa dos descendentes açorianos, o berbigão e a pesca eram abundantes na época, talvez seja daí que vem a fonte de longevidade da dona Inácia. Ela recorda que as cascas de berbigão eram vendidas para os donos de fornos de cal existentes na região, em torno de quatro; as mercadorias dos colonos da serra, os pescados, cal e banana, estes produzidos na Barra eram levados de canoa para o Mercado Público de Florianópolis.
Lembra do pai, chefe político do PSD na Barra, muito amigo do dr. Ivo Silveira, quando algum morador ficava doente ele conduzia de carro ao farmacêutico de Palhoça, ou levava para Hospital de Caridade, em Florianópolis. “Papai foi muito atuante na comunidade da Barra do Aririú; contribuiu para a construção do Clube Atlântico Recreativo F.C; doou terras para o Cemitério e para construir a Igreja”.
Irmãos Martins: Isaura-Maria-Inácia e João- foto de Inácia Wagner
Inácia é a segunda filha de uma família de quatro irmãos: João, Inácia, Maria e Isaura, em 2024 completará um século de vida. Saudosa do tempo das festas na comunidade onde nasceu, fez a Primeira Comunhão numa Capela que havia antes de ser construída a igreja atual. Conheceu o Walmor na Praia de Fora onde ele morava. Aquele jovem bonito costumava ir de bicicleta nas festas da Barra. Numa das novenas da Festa Nossa Sra. dos Navegantes o casal começou a namorar, casaram e formaram uma grande família.
Walmor Wagner e Inácia Martins Wagner- foto de Inácia Wagner
O Casamento religioso foi na Palhoça, a festa foi na Barra onde morava, “papai tinha carro, os convidados, para chegar na igreja, se combinavam em 4 pessoas e alugavam um carro de frete” depois da igreja acontecia a festa na casa da noiva com bolo, galinha, churrasco, bebida. “O meu irmão casou de carro de cavalo, os convidados iam no casamento de carroça, bicicleta, a pé. Os meus cunhados Walda e Didico casaram depois do Walmor que é o mais velho”.
Inicialmente morou na Praia de Fora, em 1947 o casal foi para o Aririú onde compraram uma venda. Em 1961 vieram morar na esquina da Rua Coronel Bernardino Machado com 24 de abril no Centro da Palhoça. Aí se estabeleceram com a venda de secos e molhados. Dois anos mais tarde começaram a realizar o sonho de construir sua casa, onde vive até hoje. É da janela que dona Inácia acompanha o desenvolvimento da Palhoça, aprecia o dia a dia das pessoas que passam apressadas falando no celular, com sacolas de compras, carro buzinando, e completa: poucas pessoas são suas conhecidas. Entre uma caminhada e outra, dona Inácia vive tranquilamente fazendo o que mais gosta: costurar, fazer crochê, renda de bilro, jogar bingo com as amigas, ir na missa...
No tempo da escola sempre foi boa aluna, a professora do primário chamava-se dona Maria do Carmo, uma senhora afro descendente que atendia 82 alunos numa sala de aula. “Na hora do recreio ela ensinava bordado e crochê para as meninas que se interessavam em aprender, eu aprendi com ela. A filha dela era professora das crianças menores”.
Na Barra só tinha o primário, então aos 14 anos de idade, Inácia foi estudar em SAI, lá aprendeu o corte de costura com a dona Geni Porto. Fazia roupa com molde. Durante a semana ficava na casa do seu Clemente Diniz, antigo morador da Barra, final de semana vinha de ônibus até ao Aririú, depois seguia a pé para Barra, enfrentando a poeira da estrada de barro esburacada. “[...] tirava o calçado, ia descalço com sapato na mão, às vezes escorregava e caía, principalmente na estrada do Pacheco”.
Gostava de costurar, divino ato de trilhar sonhos bordados com a criatividade das agulhas e linhas engenhosas. Certo dia, pediu ao pai para comprar uma máquina de costura, ele argumentou que era muito cara: “custa o dinheiro de um terreno, quase um conto de réis. Num determinado dia, apareceu um senhor vendendo máquina na Barra e papai comprou pra mim uma máquina de costura de pé”. Apaixonada pelo seu dom, Dona Inácia nunca mais parou de costurar, há poucos dias comprou dois cortes de tecidos para fazer dois vestidos. “Eu faço minha roupa com minha máquina elétrica, estou fazendo uma toalha de crochê bege com linha cleia”, afirma com muito orgulho e vitalidade. “Quando era solteira, fiz muita renda de Bilro em peça, bico e canto pra vender em SP. Uma mulher encomendava na Barra e o filho vendia em SP”. Antigamente todo enxoval era feito em casa, roupa de baile, casamento, festa, tudo feito nas casas das costureiras e bordadeiras.
Dona Inácia mantém a tradição da Renda de Bilro
Aos 72 anos de idade ficou viúva, após 53 anos de casada com Walmor Wagner, falecido em 02/01/1996. “[...]Ao contrário do que muitos pensavam, ela não se jogou nos braços dos seus cinco filhos para resolver seus problemas, mas sim, se manteve ativa realizando todas as suas tarefas e acumulando também as que o marido fazia[...] tendo como fórmula da felicidade manter-se útil[...]” escreveu o amigo da família, Paulinho Silveira.
Walmor era filho de Florinda e Lídio Wagner, político da antiga UDN e comerciante da Praia de Fora. Era irmão do Waldir Wagner (seu Didico) casado com a Ondina; da Walda Wagner, casada com o Lala e do Walter Wagner, casado com a Eremita.
Seu Walmor também desempenhou importante papel na política de Palhoça, além de comerciante, foi vice prefeito em 1970 quando Nelson Martins elegeu-se Prefeito de Palhoça. Faleceu num acidente quando estava vindo da Praia de Fora com a esposa. Foi surpreendido na fila da BR 101, bateu na traseira de um corsa, resvalou e bateu numa árvore, provocando hemorragia interna, vindo a óbito. Abrimos um parêntese para chamar atenção quanto ao uso do cinto de segurança e cuidado com às filas que são frequentes principalmente na temporada de verão, em direção às praias de Palhoça.
Dona Inácia e seu Walmor muito contribuíram para o desenvolvimento dessa próspera terra chamada Palhoça. Construíram uma grande família constituída dos filhos Wilmar, Wilma, Walmor, Walmir e Waldir lhe presentearam com 9 netos e 8 bisnetos: Lucas, Pedro Henrique, Mateus, Lívia, Nicolas, Gustavo, Heitor e Theo.
Dona Inácia Wagner e os filhos: Wilmar, Walmor, Walmir e Waldir
A avó artesã, tece fio por fio uma vida de resistência e abnegação, atenciosa do seu ofício e orgulhosa de sua idade ainda junta retalhos e linhas coloridas para a edificação de um mundo melhor, alicerçada do gesto mais bonito que Deus lhe deu: A FAMÍLIA, A FÉ E O SORRISO
Dona Inácia, aos 98 anos, concedeu esta memorável entrevista à escritora e historiadora Neusa Bernado Coelho-membro Instituto Histórico e Geográfico de SC
Abril 2023