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Por que a psicanálise? (Parte III)

POR QUE O INCONSCIENTE É ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM?

Podemos dizer como ponto de partida que a linguagem é aquilo que contorna o vazio estrutural do bicho homem. A linguagem “é a morada do ser” dizia, o filósofo alemão Martin Heidegger em sua obra Ser e Tempo. É a partir da linguagem que homem tem acesso ao mundo das coisas, sendo a linguagem efetivamente aquilo que lhe dá a noção de limite em relação ao outro na sua relação com o mundo. A linguagem não está apenas nas palavras, mas no olhar, no gesto, no toque e na voz. A agressividade, quando não acompanhada de um olhar de acolhimento pode tornar-se violência. A precariedade simbólica denuncia a agressividade no humano, pois é pela utilização da linguagem que o limite se estabelece. Como dizia Freud, as palavras, que habitam a linguagem, podem fazer um bem indizível, mas também causar terríveis feridas e, ainda parodiando o mesmo Freud, temos que a força psíquica do ódio é muito maior do que aquela que podemos supomos. Daí a importância da linguagem como mediadora da agressividade constituinte nas relações para o “ser” humano.

Para a psicanálise, o corpo psíquico é uma armadura significante, efeito do encontro da carne humana, do corpo biológico com o Outro da linguagem, outro grafado com “O” maiúsculo uma vez que representa todos os outros que teceram esse tecido linguageiro o qual encontramos no mundo, cada um a uma determinada época e, pelo qual temos que nos imiscuir e nos representar, essa grande panela de marcas significantes, traduzíveis e intraduzíveis, marcadas de elementos simbólicos, históricos e culturais de uma época, representados e incorporados naquela ou naquele que, a partir de uma função, passa a acolher no mundo, o bebê humano.

Para afirmar que o inconsciente é estruturado como uma linguagem Lacan retoma de Freud aquilo que ele considera com essencial para os fundamentos da clínica psicanalítica, especialmente a noção de simbólico que ele extrai da teoria freudiana. Freud propõe a associação livre para pensar o sentido dos sonhos, as conexões de representações que levariam ao desejo inconsciente e Lacan recupera isso que é da teoria freudiana marcando a importância da fala e o campo da linguagem e conta com a linguística, a partir das teorias do Saussure, Jacobson assim como a antropologia estruturalista do Lévi-Strauss, para mostrar justamente o inconsciente como aquilo que tem a estrutura da linguagem e isso é extraído do Freud uma vez que o Freud mostra a partir do trabalho com os sonhos e também com a teoria psicanalítica que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. A partir dos mecanismos de deslocamentos e condensação propostos por Freud na interpretação dos Sonhos, correspondentes em Lacan a metonímia e a metáfora na formação dos sonhos e na sua estruturação é que o analista ao propor a livre associação e fazer deslizar a cadeia significante através da palavra que corre, possibilita o desvelamento do inconsciente estruturado tal como uma linguagem. Nesse sentido, a estrutura da linguagem seria a própria estrutura do inconsciente.

Temos em outras áreas da ciência que o simbólico é o equivalente de linguagem, entretanto para Lacan, apesar de nos primeiros seminários ele também realizar essa equivalência, passa posteriormente, a partir da linguística, mostrar que o simbólico não é um equivalente de linguagem, mas um equivalente da estrutura da linguagem. Se a linguagem tem uma função de nomeação para Lacan o simbólico não vai ter esse lugar, mas o lugar de uma função estrutural. Para Lacan, simbolizar não é dar nome para os objetos do mundo. Será a partir do encadeamento significante que Lacan irá então trabalhar a noção de estrutura do inconsciente. Palavras que correm e que dão sentido a uma frase, retroativamente. Nesse sentido o inconsciente é a própria manifestação da linguagem. O fato de estar aqui escrevendo, articulando palavras e reflexões teóricas para o leitor daquilo que seria o inconsciente estruturado como uma linguagem, apostando que toda essa escrita seja transmitida para vocês vindo quem sabe, despertar algum questionamento, alguma indagação, um pensamento novo, uma estranheza, ou mesmo levar a alguém a produzir um sonho a partir dessa leitura, isso seria o efeito do inconsciente.

Se o psicanalista por um lado em sua prática clínica, sua prática de escuta, passa a levar em conta os fracassos da fala, o mal-entendido, os atos falhos, o que ficou por dizer no diálogo mais banal é porque o seu interesse está no “desencontro” presente entre aquilo que se diz e o que se intencionava dizer. É bem nesse desacordo que as convicções se desfalecem, perdem o seguro encanto, é bem nesse “descompasso” que o sujeito do inconsciente através da linguagem, se manifesta e aponta para a sua morada!

*Antonio Roberto da Silva é psicanalista, membro da Maiêutica Florianópolis Instituição Psicanalítica, fundador do Projeto Social Polis Care em Santa Catarina, um projeto que envolve diversos profissionais, psicólogos e psicanalistas que ampliam o atendimento psicológico à camada menos privilegiada da população, direcionado para estudantes e pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Atende como psicanalista em clínica particular e também pelo Projeto Social nas cidades de São José, Palhoça.

* Coordena grupos de leituras comentadas dos textos freudianos e lacanianos na modalidade on line pelo Espacio Psi.

Contatos para o Projeto Social Polis Care:
Whatsapp: (48) 99603-8856 - poliscare@gmail.com

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